segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Tomás Antônio Gonzaga
A poesia árcade e a crítica política
Por Danieli Chagas


           “Os árcades regiam contra os excessos barrocos por considerá-los exemplos de”mau-gosto “: era preciso degolar a” hidra do mau-gosto “. O Barroco representava, no seu entender, o desrespeito ao ideal Clássico que norteara a literatura praticada pelo Renascimento. Impunha-se, pois, restituir o equilíbrio Clássico, remontando às suas fontes originais, na Antigüidade greco-latina”.
       A afirmação acima, presente no Dicionário de termos literários, de Massaud Moisés, expressa, em suma, o que foi o movimento literário Arcadismo. Começa a configurar-se uma valorização da simplicidade em detrimento do rebuscamento Barroco. Essa rejeição tradicional pelo movimento literário anterior se dá também pelos ideais iluministas que colocam a razão e a ciência em lugar da fé, tornando, agora, ilegítima a dualidade do homem barroco.
          O Arcadismo, ou Neoclassicismo, não tem esses nomes em vão. Antes os mesmos possuem íntima relação com a natureza de suas obras – No Brasil, principalmente em se tratando de Tomás Antônio Gonzaga. O pastoralismo, característica evidenciada principalmente nas obras contidas em “Marília de Dirceu” que retratam a primeira fase de sua poesia, é a representação do Fugere Urbem, a preferência do campo em relação à cidade com inspiração na Arcádia – região da Grécia onde pastores e poetas, chefiados pelo deus Pã, dedicavam-se à poesia e ao pastoreio.

“Enquanto pasta alegre o manso gado,

Minha bela Marília, nos sentemos
Á sombra deste cedro levantado.
              Um pouco meditemos
              Na regular beleza,
Que em tudo quanto vive, nos descobre
A sábia natureza.
(Lira XIX (1ª parte) de Marília de Dirceu)


            Neoclassicismo pela retomada do interesse pela Antiguidade greco-latina.

“Estão os mesmos deuses
sujeitos ao poder do ímpio fado:
Apolo já fugiu do céu brilhante,
Já foi pastor de gado.”

(Fragmento da Lira XXXIV, de “Marília de Dirceu”).

       É muito presente, também, nas obras árcades o motivo Carpe Diem que, tendo por argumento a efemeridade da vida e da beleza, é usado pelo poeta para convidar a amada a usufruir o amor enquanto é tempo.

“Que havemos de esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm tarde, já vem frias, e
Pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.
Ah! Não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
De estrago de roubar ao corpo as forças,
E ao semblante a graça”

(fragmento da Lira XXXIV de “Marília de Dirceu”)

     Embora seja “Marília de Dirceu” considerada uma das obras mais características do Arcadismo brasileiro, traz na segunda fase da poesia de Tomás Antônio Gonzaga, em especial, também contida nesta obra, a imagem de um Dirceu pré-romântico, entregue ao pessimismo e à auto-piedade pela saudade de sua amada Marília, uma vez degredado Tomás Antônio Gonzaga por conta da Inconfidência Mineira.

“Nesta triste masmorra,
de um semivivo corpo sepultura,
inda, Marília, adoro
a tua formosura.
Amor na minha idéia te retrata:
Busca, extremoso, que eu assim resista
À dor intensa, que me cerca e mata.”

(fragmento da Lira LXXXI, de Marília de Dirceu “)

         Tomás Antônio Gonzaga possui, entretanto, apenas uma obra lírica. A sua poesia satírica, presente nas “Cartas chilenas”, cuja autoria já fora motivo para discussão, constitui uma visão crítica acerca da situação política e econômica de Minas Gerais, que era sufocada pelos altíssimos impostos cobrados por Portugal como forma de quitar suas inúmeras dívidas. As “Cartas chilenas” refletem, em particular, as arbitrariedades de Fanfarrão Minésio, governador do Chile, como forma de criticar o então governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Menezes. Inicialmente fala da posse de Fanfarrão Minésio e critica a tomada do poder por alguém não de direito.

“Ah! pobre Chile, que desgraça esperas!
Quanto melhor te fora se sentisses
As pragas, que no Egito se choraram,
Do que veres que sobe ao teu governo
Carrancudo casquilho, a quem rodeiam
       Os néscios, os marotos e os peraltas!”

       (fragmento da carta I das Cartas chilenas)

                E chega a criticar mais detalhadamente a forma de governo.

    “A desordem, amigo, não consiste
    em formar esquadrões, mas sim do excesso.
    Um reino bem regido não se forma
    Somente de soldados, tem de tudo:
    Tem milícia, lavoura e tem comércio.
    Se quantos forem os ricos se adornarem
   Das golas e das bandas, não teremos
   Um só depositário, nem os órfãos
   Terão também tutores, quando nisto
   Interessa igualmente o bem do Império.
   Carece a monarquia dez mil homens
   De tropa auxiliar? Não haja embora
   De menos um soldado, mas os outros
   Vão à pátria servir nos mais empregos,
   Pois os corpos civis são como os nossos,
  Que tendo um membro forte e outros débeis,
   Se devem, Doroteu, julgar enfermos.”

(fragmento da carta IX das Cartas chilenas)


                        Nota-se em sua obra, como na obra de outros autores árcades brasileiros, a influência das novas ideias que corriam a Europa na época. Esses autores, representantes da intelectualidade brasileira, dão início a um movimento que culmina, no Romantismo, com a Independência brasileira, fortalecendo cada vez mais o vínculo existente entre a literatura brasileira e a realidade brasileira.

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