domingo, 23 de fevereiro de 2014

                        

Resenha de Um Apólogo, de Machado de Assis
Por Danieli Chagas


Diz o consenso que todo bom autor ou compositor também produz obras menores. Difícil é, entretanto, falar de uma obra machadiana sem acreditar na exceção dessa regra pré-estabelecida popularmente. Os recursos discursivos, o caráter analítico dado pelo texto às  paixões humanas e o brilhantismo com que as põe em voga através do emprego da ironia, como feito por poucos, cobre sua obra de significados expressos como só Machado sabe fazer.
Em Um Apólogo, conto publicado em 1896 na coletânea Várias Histórias, o autor descreve basicamente o diálogo entre uma agulha e um novelo de linha enquanto, na casa de uma baronesa, uma costureira as utiliza para compor o vestido a ser utilizado pela dona da casa em um importante baile. Machado abre o conto com a expressão Era uma vez, muito comum em contos infantis como os dos irmãos Grimm, por exemplo, que tornaram-se referência  na construção de todo um imaginário infantil através de sua obra. Por mais que lhe possa ser atribuído uma estrutura narrativa ao estilo das histórias infantis, assumindo um caráter profundamente didático, inclusive, que não nega nem mesmo a moral da história ao final, Um apólogo não foge a uma das principais características da obra machadiana, a saber, o construir, estruturar, expor ou analisar o que já foi chamado por muitos de anatomia do caráter humano, bem ao estilo realista, mas feita por Machado sempre com maestria atemporal.
No diálogo em que a linha e a agulha travam em Um apólogo, as duas discutem quem é a mais importante, cada uma tecendo argumentos em favor de sua indispensabilidade enquanto ambas são utilizadas pela costureira . Embora a provocação inicial parta da agulha, é a linha que vence a argumentação triunfalmente, rebatendo a agulha ao dizer que , por mais que sua dissidente abra os caminhos para que  possa costurar os tecidos, é ela, a linha, quem vai ao baile, no corpo da baronesa, dançar com diplomatas e ministros, sendo sua oponente obrigada  a voltar para a caixinha da costureira.
O desfecho é inovador e surpreende não por terminar com uma moral, o que , aliás, é esperado pelo leitor atento pelas características que Machado toma emprestadas da fábula para compor sua narrativa. Mas provoca uma quebra no texto ao apresentar um narrador em primeira pessoa, diferente de suas intervenções até então em terceira pessoa, e por ser essa moral muito mais ligada a um público adulto, a quem muito provavelmente se destina, que a um público infantil, bem como pelo seu pessimismo característico, sobretudo, dos contos que compõem a coletânea Várias Histórias como A Cartomante, por exemplo.
Diferente de algumas obras de Machado, sobretudo os romances, que são ricos em detalhes que descrevam as atitudes nos mais variados meios, desde a política à vida familiar, em que são reveladas as mais profundas peculiaridades inerentes à natureza humana de forma profundamente densa, Um apólogo pode ser considerado por muitos uma leitura fácil e clara. Por isso, tal obra pode ser utilizada até mesmo didaticamente sem muitas dificuldades por um público adolescente e mesmo infantil, mas não deixa a desejar em nada a outros contos e romances machadianos em material para reflexão.



Nenhum comentário:

Postar um comentário